quinta-feira, 23 de setembro de 2010

SIMPLESMENTE MARIA

Minha vida sempre foi intercalada de brincadeiras em casa, no quintal e na escola na companhia de uma MARIA . Junto com meus irmãos tivemos uma infância recheada de rodas, piques-esconde, pipas, gangorras de cipó, comidinha no quintal. Mas a vida nos apresenta estradas e me separou de minha MARIA. Mãe amorosa, responsável que fez tudo que podia para sermos felizes e crescessemos saudáveis e fortes. E neste caminho que ando, na medida que amadureço, começo a enxergar a dor e a solidão de minha mãe. Ela não nos proibia de brincar, fosse no quintal, dentro de casa ou na rua, bastava que para isso meu pai não estivesse em casa. Mas apesar de seus esforços crescíamos entre brigas e discussões. Eu repudiava as brigas, os medos e a solidão dela. E neste ambiente ambíguo, ou seja, de duas vertentes: de um lado a honestidade, a religião, a disciplina, do outro, a gritaria, os excessos e a solidão de minha mãe. A angústia era a minha companheira constante! Angustia do medo! Angústia do choro de minha mãe com uma fralda nos ombros, sentada à janela com seu olhar triste e distante! Angústia do domínio. Assim cresci num ambiente nebuloso de sonhos interrompidos. A pequena pessoa que estava em mim vivia angustiada por não poder ajudar além do pouco que fazia, eram controvérsias e hereditariedade que lutavam em mim, às vezes, ganhava a solidão, às vezes a injustiça. Sempre admirei a minha mãe. Mulher sem estudo. Guerreira. Lutadora. Humilde. Sempre inteligente, tinha resposta para tudo na vida. Quando eu estava adolescente e trabalhava na Belgo-Mineira, na hora do almoço, sentávamos no meu quarto e conversávamos. Ela tentava se desabafar, contar as suas desilusões e eu sem experiência da vida não a compreendia totalmente, apesar de saber que ela tinha todas as razões de queixa deste mundo. Hoje sinto o que ela passou. E ainda bem que Deus permitiu que ela vivesse alguns anos além da desilusão, para realizar alguns de seus sonhos. Pois, quando eu tinha 15 anos, por exemplo, eu queria ser freira, ir para um convento. Hoje penso que foi melhor para mim e para a sociedade eu não ter ido. Se eu me tivesse me tornado freira, não teria tido os meus filhos e não teria vivido a vida que vivi. Não teria visto a minha mãe envelhecer. Que bom que a minha mãe é a pessoa que é! Arrependimentos! Tenho muitos... muitos mesmos. Se eu pudesse voltar a minha vida atrás, certamente, metade do que fiz, não faria. Os anos passaram. Sol e luas se encontraram. A vida se transformou numa fotografia amarelada pelo tempo, sem dedicatória. E minha mãe se transformou numa anciã de cabeça branca! Linda! Cheia de experiência e sem paciência com as voltas na vida. Ela passou por muitas auroras e por muitas noites em sua solidão. Quando ela era criança, sua mãe morreu, ela tinha apenas 11 anos. Pequena, órfão de mãe, recebeu como herança do pai apenas o amor e o carinho dispensados a ela, além do nome. Meu avô, carpinteiro de mão cheia, homem bondoso de olhos azuis, baixinho, gordinho, de voz suave e grave, era o encanto de sua vida. Amor eterno! Viviam num casebre humilde na Pedreira em Monlevade. Ainda criança, tomava conta da casa, juntamente com uma irmã de criação, Nazinha e de meu avô e meus tios Inhô e Jacy. Entre sofrimento, ilusão e saudade ela tornou-se uma moça alegre e comunicativa, apesar da dor. Mas meu avô casou-se de novo. Isso despertou o seu ciúme e saudade. Sua mãe estava sendo substituída. Impossível. Entrava em sua vida uma mulher diferente e desconhecida que se tornaria da noite para o dia em sua madrasta. Não queria que ninguém ocupasse o lugar de sua mãe Enedina Linhares de Souza, mulher que foi embora com 33 anos de idade. Mas a vida lhe pregava mais uma peça e os anos de convivência com esta nova pessoa lhe havia de trazer muita dor e brigas. Ainda bem jovem foi trabalhar numa fábrica de tecidos em Alvinópolis. Quando chegava não tinha o pai só para si mais, mas tinha que dividi-lo com mais alguém, mais alguém, mais alguém... Ela havia se desabrochado longe de sua mãe! Agora era obrigada e crescer ao lado de uma mulher que mal conhecia e que havia tomado o lugar da pessoa que mais amou na vida. Dessa forma as agitações da vida a fez exilada em seus sentimentos, em seus maiores sonhos! A solidão tornou-se a sua companheira. Mas seu caminho de sofrimento havia, pouco a pouco, de se modificar, pois conhecera meu pai e com ele iria viver seus próximos quase 60 anos. Teve onze filhos. Esperança. Ilusão. Solidão. Ela sempre sorriu com sorriso manso e triste. Só uma vez a vi rir às gargalhadas e contar uma piada. Jamais me esquecerei daquele dia em que ela ria e não conseguia acabar de contar a anedota. Morava em Monlevade, no bairro República. Assim sempre foi Maria Souza da Mata, antes Maria Linhares de Souza, ou simplesmente Maria de Armindo, ...MARIA...tudo aconteceu com ela. Parece que foi só um minuto. Ma já fazem 83 anos. Vera da Mata Vitória da Conquista, 20 de setembro de 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.