quinta-feira, 23 de setembro de 2010

SESSENTA VOLTAS AO REDOR DO SOL


Foi num dia de sol muito forte e em pleno verão que vim ao mundo. Era no dia 14 de janeiro de um ano qualquer, cheguei a este mundo logo depois do término da segunda guerra, num planeta modificado e destruído pelos seus próprios habitantes, com reflexos bastante visíveis até os dias presentes.
Já dei sessenta volta ao redor do sol, não sei quantas vezes já vi a lua cheia nascer, se por, ir embora e surgir novamente.
Sessenta vezes acompanhei o nosso planeta na sua trajetória anual. Acompanhei as estrelas em todos seus movimentos. Vi a Três Marias brilharem e piscarem para mim. Olhava-as desde criança com olhar de quem pergunta o segredo da vida e da morte, da luz e da escuridão, de todos os mistérios. Minha alma nas sessenta vezes que fiz esta viagem, indagou sobre os segredos dos ventos e flores. Há sessenta anos o vento escreveu uma palavra a meu respeito neste mundo terrível e estranho. Não sei qual foi, mas sei que ainda tento desvendar este mistério para descobri-lo.
O dia que nasci ergue-se em mim como uma cortina que me cerca, que me sufoca, que faz minha alma procurar a alegria e a tristeza, o amor e o ódio. São recordações que tumultuam a minha existência, que me impedem, às vezes, de seguir em frente. Meu pensamento percorri os quatro cantos do mundo e me envolvem com uma saudade tão grande, que meu coração chega a doer. Dor de solidão. De recordações. De pessoas que se foram de minha vida. Os rostos pálidos que ficaram na minha lembrança, enrugados pelo tempo só alimentam esta minha sensação. Mas vejo-os, novamente, em mim numa melodia triste e melancólica.
Nestas sessenta voltas, as mesmas pessoas e coisas que amei quando criança continuo a amar, apesar da distância e do tempo. Pessoas novas surgiram. Continuarei a amar até o fim de minha vida. O amor para mim é tudo. O amor é o segredo da boa vida. Amor pela minha linda mãe, que muito amou e sofreu nestas suas oitenta e três voltas ao redor do sol. Amor incondicional e de aceitação total pelo meu pai, pelas suas poucas e corridas setenta e sete voltas, que poderia ter percorrido a sua viagem em mais voltas, mais a sua pressa em correr o fez parar.
Amor eterno pelos meus irmãos, todos, desde Sônia, Selma, Zarinha, Henrique, Anchieta, Luiz, Armindo, Rui, Cláudio e Renata, cada um com a sua quantidade de voltas na sua viagem ao redor do sol e das estrelas, na sua afobação pela vida, na sua corrida atrás do sol e do vento, na criação dos filhos, no respeito pela vida e pela família. Exceto, meu irmão Luiz que desistiu de sua viagem na sua quadragésima terceira volta, apeando da vida e dos sonhos. Este amou a morte e desejou-a muitas vezes por falta de coragem para ir em frente, ele a chamava com voz suave da bebida.
Amor incondicional aos meus filhos: Elaine, Andreia, Denise e Marcelo. Eles contribuíram imensamente para aumentar a minha paixão por tudo e desenvolver a minha ternura e carinho. Desejei-os. Esperei-os. Criei-os. Amei-os com todos os seus defeitos e qualidades, com todos os seus sonhos e ilusões.
Enquanto eles cresciam, alicercei a minha felicidade. Pois cada manhã eu me sentia mais feliz e preocupada por tê-los ao meu lado como sombra transparente de mim mesma. Não sei acertei ou errei, sei que fiz o melhor de mim mesma. A minha alma sempre sussurrou “A felicidade nasce e cresce dentro e fora de mim”. E quando abri os olhos para enxergar a minha felicidade vi quatro espelhos de mim mesma, cada um do seu jeito.
Assim se passaram as sessenta voltas ao redor do sol, não sei quantas viagens ainda farei, mas seja quantas forem as farei valer a pena. Sei que daqui para frente meus dias se esgotarão depressa, assim como as folhas caem das árvores no outono, eu sairei da vida. Fraca e silenciosamente. Minhas estações já produziram algumas coisas e espero que sejam para a perpetuação da vida.
Hoje, somente medito e relembro da viagem que já fiz, da distância que percorri. Olho para todos os lados e vejo a realização de meu passado que merece ser apontados diante do sol. Produzi pessoas, amor, ilusão, todos feitos de linhas emaranhadas na vida, como um algodão doce! Foram feitos também de esperança de luas harmônicas e felizes. Semeie meus pensamentos, meu amor, meu carinho, meus sois, minhas estrelas em meus sonhos e emoções, como um semeador enterra as suas sementes na terra e espera a frutificação. Semei na esperança no meu coração meio desiludido pela vida.
Sento-me, muitas vezes, num banco de meu quintal e medito sobre a beleza das plantas, dos bichos e do espaço, cheio de imagens e de tesouros perdidos e escondidos, maravilhas sempre em movimento, sempre espumante como a onda do mar. Olho para a vida e vejo que ela é bela. Todos os elementos dela são governados por leis imutáveis que determinam a sua atração ou repulsão nos movimentos na sua volta ao sol. Vejo todas as coisas, medito e me lembro que nas minhas sessenta voltas ao redor do sol, nos elementos visíveis e invisíveis que se passaram por ela, sei que a insondável vida está a minha espera. Sinto a movimentação e um ruído de sons e harmonias que interferem nas minhas viagens.
As asas de minha imaginação voam e voltam, chegam e vão. Elas vão ao céu e chegam ao inferno e retornam sempre com um pouco mais de mim mesma. E quando vou, as minhas mais profundas sensações e questionamentos voltam sem luz, sem sol e sem estrela!
E agora atinjo uma etapa de minha vida que aparece como um nevoeiro que, às vezes, me impede de ver o sol e as minhas estrelas que tanto amo. Nevoeiro de lamentações. Nevoeiro de ilusão. Nevoeiro de promessas. Meu coração bate. Reclama. Ri. Mas insiste de cabeça erguida a viver nas nuvens na esperança de descobrir o sol e continuar nas minhas voltas até me cansar.

Vera Lúcia da Mata Lula
Vitória da Conquista, 20 de setembro de 2010.

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